Opinião, Contos & Crônicas |
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por: Valter A. Costa
07/05/2015
Nesse momento em que vemos amigos queridos, antigos e recentes, tomando novos rumos, seguindo seus caminhos, somos chacoalhados nos sentimentos. E não tendo como fazer balanços frios, racionais, meramente descritivos, nessas circunstâncias, apelamos para as referências da linguagem poética. E um dos poetas preferidos de nossa (ou minha) geração, foi Cazuza. Esse poeta apaixonado preservava seus amores e amizades com codinomes. O mais conhecido desses codinomes é o “beija-flor” de uma de suas belas canções.
Eu, (já assumindo o texto em primeira pessoa) talvez não seja suficientemente poeta para utilizar uma imagem tão delicada como a do beija-flor. Nem tenho também razões para esconder os nomes das pessoas que conquistaram minha admiração e amizade. E os codinomes que conheci em minha juventude tinham outras motivações (a de proteger os nomes dos assistentes do Partido nas reuniões clandestinas das células comunistas). Às vezes, tropeço com alguns desses antigos companheiros, reconhecendo suas fisionomias sem nunca ter conhecido seus verdadeiros nomes. Até poderia ir atrás, perguntar, saber o que fazem hoje, mas prefiro manter na memória a imagem que tinha daquelas figuras enigmáticas que traziam as orientações do Partido nas edições gloriosas do jornal Voz Operária. Puro romantismo.
Hoje, desfrutando de um regime democrático, conquistado com tanto sacrifício, não tenho porque esconder os nomes das novas pessoas que me são queridas. Mas também não resisto à tentação de brincar com as palavras usando na metáfora alguns bichinhos menos delicados que o beija-flor.
Nos quintais da minha infância, no terreno da casa de meu pai em Itaquera, ou nos terrenos baldios encontrados com fartura nos caminhos que os meninos percorriam entre as vilas de Itaquera e os bairros vizinhos de São Miguel Paulista e Guaianases, às vezes, me deparava com esses pequenos animais dos matos e lagoas que ainda existiam naquele início dos anos setenta.
Nas lagoas me agradavam os girinos e os sapos adultos. Especialmente me atraia a música dos sapos nas lagoas e terrenos acharcados. Até do som cadenciado das cigarras eu gostava. O som saído desses terrenos alagados eram para mim, e ainda são, sinfonias.
Cada vez escuto menos essa sinfonia vinda dos matos. Pouco viajo e os raros quintais nos bairros foram cobertos por cimento.
Mas não vou falar dos amigos sapos e cigarras hoje, mesmo sendo tentado a isso após ouvir o querido cantor Jocélio Amaro citar, em sua apresentação recente ao inaugurar um Curso de Pedagogia na região, os tempos da nossas “guerrilhas culturais”. Um grande abraço Jocélio!
Mas falarei dos amigos e amigas cigarra outro dia. Eles me encantam tanto quanto os amigos sapos. Tanto que ao passar de carro, às vezes, por um desses últimos quintais em que ainda é possível tal música das matas, paro, afino o ouvido tentando captar o som mais distante dos bichinhos perdidos entre os arbustos, e vou embora.
Os bares em que alguns amigos cigarras cantam também exercem, em mim, esse apelo. Quando posso, e isso é raro, dou uma passada. Escuto o que me parece quase magia, e vou embora querendo ficar.
Mas nesses quintais e estradas, nos horários escuros, outro bichinho que também me faz parar é o vagalume. Esse bicho que brilha aqui e volta a brilhar mais à frente. De voo incerto, imprevisível, é o que mais me fascina. Ilumina os quintais mais escuros. Mostra a vida que existe em instantes de luz. Não dá para capturar essa luz viva, movente e incerta. Mas é bom saber que ela está lá em algum lugar.
Quando tenho a sorte de encontrar esses seres mágicos, paro na estrada, contemplo seus movimentos por alguns instantes; me alimentando das suas minúsculas claridades, sigo em frente carregando um pouco dessa luz para outros quintais. Aos amigos vagalumes que brilham aqui e ali, iluminando esse e muitos outros quintais, agradeço a vida por ter recebido um pedacinho dessa luz. Beijos.
Valter de Almeida Costa
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